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Bahia de Todos os Santos, 1950. Um bando de meninos abandonados incomoda a sociedade. São chamados “Capitães da Areia”, porque o cais é o seu quartel general. Pedro Bala, o temido líder dos Capitães da Areia, é caçado como o pior dos bandidos, mas, na verdade não passa de um adolescente livre nas ruas. Ele é o herói de quase uma centena de meninos, que juntos vivem incríveis aventuras: planejam de pequenos furtos a assaltos a ricas mansões, trapaceiam os marujos em mesas de jogatina e jogam olho comprido sobre os fartos decotes das mulatas. Dormem em um trapiche abandonado e vivem em feiras populares e festas de rua, atrás de comida e divertimento. Às vezes explodem, gritam de raiva, perdem a cabeça, mas resistem bravamente aos piores obstáculos. Quando uma epidemia de varíola invade a cidade, os Capitães da Areia se deparam com o conflito da morte, têm que tomar decisões de adulto, decisões impossíveis para a cabeça dessas crianças. Enquanto isso, nos bairros populares, a epidemia destrói famílias, fazendo novos órfãos. Dora, de apenas 13 anos, perdeu pai e mãe, e se vê só nas ruas de Salvador. Mas quis o destino que os Capitães da Areia cruzassem o seu caminho. O bando nunca teve uma figura feminina e a chegada de Dora vem mexer com a vida dos Capitães. Pedro Bala logo se apaixona por ela. Professor, braço direito de Bala, mais tímido e inexperiente, apenas sonha com sua pele macia, com seus seios que despontam, seu jeito de que vai virar mulher a qualquer instante. O triangulo amoroso torna-se inevitável, os três estão mais adolescentes do que nunca, como adolescentes descobrem o amor.
Fonte: Cinema10
CRÍTICA
O lirismo e realidade de Jorge Amado sem direção
Muita expectativa quase sempre gera decepção. E esse, infelizmente é o caso de "Capitães da Areia", adaptação do livro de Jorge Amado que foi dirigido pela neta do autor, Cecília Amado. Assistindo o making of ou o trailer, o filme parece atrativo por se mostrar trazendo a magia do livro homônimo para a tela grande de uma maneira bem estruturada. A empreitada é audaciosa: o elenco principal é formado por não-atores que tem sua história de alguma maneira ligada aos Capitães escritos. Tudo isso é muito poético, mas acaba perdendo o rumo na montagem final. Nem as atuações nem a edição colaboram para um bom resultado.
Ainda que o filme não cause grande impacto, é interessante de se assistir. A trama do trapiche de Pedro Bala, Professor, Dora e dos outros Capitães é o que segura nossos olhos. E isso vem de Jorge Amado, não de sua neta, e mostra uma realidade perturbadora se colocada num âmbito maior: o "jeitinho brasileiro" está presente em cada pedacinho da narrativa e o crime é tratado de forma quase que normal. Os delitos dos Capitães são simplesmente mais uma característica das personagens e não tem nenhum arrependimento moral em suas trajetórias na tela (e no livro). É compreensível que a realidade bruta a qual essas crianças são submetidas levem a isso, mas ainda assim é um tanto quanto perturbador essa inversão de valores. É como o Brasil continuará sendo visto lá fora, pois é assim que é. Infelizmente, o jeitinho brasileiro está nas entranhas da nossa cultura, e nem sempre da melhor maneira possível. Acaba trazendo um antagonismo, que Cecília quis levar para a tela grande, entre o abandono e a liberdade.
Em alguns quesitos técnicos, o longa se sai bem, como na trilha sonora bem elaborada por Carlinhos Brown e na direção de arte. A miséria é mostrada, mas não é tão suja e explícita como na realidade. Ainda tem o seu quê de poesia. "Capitães da Areia" traz o senso de realidade com os não-atores (que não é novidade no cinema ao buscar a espontaneidade de iniciantes), mas não abandona o lirismo tocante, que podemos ver representado na figura de Dora e em como ela movimenta o trapiche. O trailer e o making of representam bem essa dualidade, é uma pena que eles sejam melhor do que o filme em si.
Cecília Amado poderia ter se saído melhor como diretora de um projeto tão bonito como esse. Talvez um de seus principais erros tenha sido acreditar que "o audiovisual vai além da literatura". O cinema com esses recursos audiovisuais permite aos diretores e produtores viajar para lugares inimagináveis, mas nada vai se comparar à imaginação de cada um. Ela não tem limites, sejam eles de forma, cores, situações, conteúdos e muito menos orçamentários. E a imaginação não precisa ter longos dois minutos de introdução com logotipos de patrocinadores antes de começar a sonhar. Já seu contraponto audiovisual sim.